terça-feira, 24 de agosto de 2010

O Relógio

4.




Quando por algum motivo

a roda de água se rompe,

outra máquina se escuta:

agora, de dentro do homem;



outra máquina de dentro,

imediata, a reveza,

soando nas veias, no fundo

de poça no corpo, imersa.



Então se sente que o som

da máquina, ora interior,

nada possui de passivo,

de roda de água: é motor;



se descobre nele o afogo

de quem, ao fazer, se esforça,

e que ele, dentro, afinal,

revela vontade própria,



incapaz, agora, dentro,

de ainda disfarçar que nasce

daquela bomba motor

(coração, noutra linguagem)



que, sem nenhum coração,

vive a esgotar, gota a gota,

o que o homem, de reserva,

possa ter na íntima poça.

João Cabral de Melo Neto (Morte e Vida Severina)

Um comentário:

Baby disse...

OMG tá vendo que eu tenhuh